O sistema científico e tecnológico nacional constitui um instrumento de reconhecida importância para o desenvolvimento econ.
A Situação dos Bolseiros de Investigação Científica em Portugal
O sistema científico e tecnológico nacional constitui um instrumento de reconhecida importância para o desenvolvimento económico, social e cultural do país. As instituições públicas de investigação científica e tecnológica, em particular, têm um papel fulcral, insubstituível, neste sistema, assegurando o cumprimento de variadas missões de indiscutível interesse público. Sendo parte constitutiva fundamental do sistema nacional de ciência e tecnologia (C&T), os recursos humanos - docentes, investigadores e técnicos - são igualmente factor determinante na vida das instituições públicas de investigação e desenvolvimento (I&D). Nesta medida, as restrições desde há largos anos impostas à renovação, ao rejuvenescimento e mesmo ao alargamento - tendo em conta as necessidades sempre crescentes - dos quadros de pessoal das instituições de I&D, têm comprometido, em conjunção com outros factores, as potencialidades de desenvolvimento do sistema nacional de C&T e contribuído para o atraso estrutural de Portugal face aos restantes países europeus. A assinalável melhoria do nível de qualificação dos jovens interessados em ingressarem em carreiras científicas, traduzida no aumento do número de licenciados, mestres e doutorados ocorrido nos últimos anos, não tem sido acompanhada da sua devida integração nessas mesmas carreiras - de investigação, docente e técnica. Com efeito, verifica-se um quase total imobilismo dos quadros de pessoal investigador nas universidades e nos institutos e laboratórios do Estado, ao mesmo tempo que persiste e se agrava a carência de pessoal técnico especializado (de quadro). Concomitantemente, a tendência para uma crescente precarização da situação dos jovens trabalhadores científicos constitui, neste quadro, motivo de séria preocupação para todos os bolseiros de investigação cientifica. O Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica (EBIC) (Decreto-lei 123/99 de 20 de Abril) tendo dado respostas pontuais, claramente insuficientes, a alguns dos problemas sentidos pelos bolseiros, vem no fundo abrir caminho à institucionalização de uma nova forma de trabalho precário, consubstanciada na existência de uma enorme massa de jovens trabalhadores - que constitui, já hoje, parte significativa da força de trabalho disponível no sistema nacional de C&T - aos quais não são reconhecidos direitos e regalias sociais fundamentais. A progressiva substituição por bolseiros do pessoal necessário para assegurar o normal e regular funcionamento das instituições de I&D, constitui um traço caracterizador da política de recursos humanos que vigora em numerosas instituições públicas e privadas. No que constitui uma clara violação da lei, os bolseiros de investigação asseguram, hoje, necessidades de caracter permanente das instituições de I&D, não só ao nível das actividades de investigação e desenvolvimento tecnológico mas também a outros níveis como seja, designadamente, o da prestação de serviços. O Estado, por via dos organismos que tutelam o sector (FCT, MCT), deve ser apontado como o principal responsável por esta nova realidade de emprego precário; ao aprovar os regulamentos de bolsas submetidos pelas instituições e ao promover e divulgar os concursos para recrutamento de bolseiros por estas realizados, por um lado, mas, por outro lado, demitindo-se do necessário papel fiscalizador da finalidade das bolsas de investigação atribuídas, abre caminho à utilização abusiva da figura do bolseiro de investigação, mão-de-obra barata, por vezes altamente
qualificada, que as instituições têm ao seu dispor e com a qual terão muito menos encargos do que os que teriam com trabalhadores permanentes com igual qualificação e exercendo funções idênticas. Como principais traços caracterizadores da situação dos bolseiros de investigação, de que decorrem os principais problemas actualmente associados à condição de bolseiro, apontam-se os seguintes pontos: 1. O exercício do direito à segurança social encontra-se fortemente limitado pelo regime do seguro social voluntário, previsto no Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica (EBIC). Este regime é manifestamente insuficiente e discriminatório face aos restantes trabalhadores, acrescendo o facto de muitas instituições se recusarem ainda, alegadamente por falta das necessárias dotações financeiras, a assumir os encargos com o seguro social voluntário previstos no EBIC. Este regime prevê o desconto sobre o ordenado mínimo (1º escalão referido no artigo 36º do Decreto-lei nº 40/89) e não consigna o direito ao subsídio de desemprego. Fica claro que os bolseiros, auferindo um rendimento superior ao ordenado mínimo, estão a ser prejudicados face ao sistema nacional de segurança social, nas regalias de que poderão vir a beneficiar. Com efeito, tendo em conta as recentes alterações à lei da segurança social segundo as quais toda a carreira contributiva será considerada para efeitos de reforma, conclui-se que o tempo que um trabalhador permaneça na condição de bolseiro representa, objectivamente, uma diluição forçada da sua carreira contributiva. No que se refere às eventualidades cobertas pelo regime do seguro social voluntário, como se encontra estabelecido no EBIC, são abrangidas as prestações de invalidez, velhice e morte (taxa contributiva geral 16%) e as prestações de doença e maternidade (taxa contributiva específica 3,5%) e de doenças profissionais (taxa contributiva específica 0,5%), excluindo-se as prestações familiares (taxa contributiva específica 3 %). Deste modo, estabelece-se uma situação de profunda contradição, em que se prevêem possíveis situações de maternidade / constituição de família, mas não as consequentes e necessárias situações de prestações familiares. De salientar, no caso dos bolseiros que exercem a sua actividade em instituições públicas de I&D, a ausência de um regime de protecção social idêntico ao dos restantes trabalhadores da Função Pública (ADSE, Serviços Sociais). 2. O direito a férias não é formalmente reconhecido. Um bolseiro pode, desde o início da sua bolsa até ao final da mesma, período que pode variar de meses a vários anos, trabalhar continuamente não beneficiando de qualquer período de férias. A possibilidade de gozo, informal, de um período de descanso é deixado ao critério das instituições de acolhimento e do respectivo orientador. Sob o pretexto de se encontrarem em formação (o que não é necessariamente verdade em muitos casos, como é aliás reconhecido no próprio EBIC, artigo 1º - Objecto), os bolseiros não têm direito a subsídios de férias e de Natal, o que configura mais uma grave e flagrante injustiça e uma inaceitável discriminação em relação aos restantes trabalhadores. Mais ainda quando, muitas vezes devido à utilização abusiva da figura do bolseiro, estes se encontram a exercer actividades idênticas às dos restantes trabalhadores do quadro das instituições. 3. A diversidade de situações no que à situação laboral dos bolseiros diz respeito - valores das bolsas, direitos e regalias dos bolseiros, etc. - de acordo com as entidades financiadoras e instituições acolhedoras em causa, é causa de desigualdades e injustiças relativas entre bolseiros
(leia-se trabalhadores) com qualificações e a exercer actividades idênticas. O próprio EBIC abre a porta a esta situação, ao restringir o seu âmbito de aplicação aos beneficiários de bolsas concedidas por organismos ou serviços colocados na dependência do Ministro da Ciência e da Tecnologia ou por outras entidades que elaborem regulamentos de bolsas que sejam posteriormente aprovados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Excluem-se, deste modo, muitos outros bolseiros, cujas entidades financiadoras não tenham regulamentos de bolsas próprios. A própria tabela da FCT que fixa os montantes das bolsas não é seguida por algumas instituições e muitos bolseiros auferem subsídios de bolsa inferiores aos ali fixados. A desejada actualização anual (já verificada em 2002) da tabela de bolsas da FCT esbarra com a alegada incapacidade das entidades financiadoras (que não a FCT) em proceder às correspondentes actualizações dos montantes das bolsas. Alegadamente, os projectos de investigação, geralmente com financiamento plurianual, não prevêem nem permitem as referidas actualizações. A generalidade dos bolseiros, que não os da FCT, vê-se assim privada dos necessários e justos aumentos anuais dos montantes das suas bolsas. Casos mais graves ocorrem, em que é o próprio pagamento mensal do valor das bolsas que é posto em causa. No caso de bolsas financiadas por projectos, o atraso no financiamento dos mesmos, por parte da entidade financiadora, gera muitas vezes situações de ruptura financeira que obriga à protelação do pagamento do valor das bolsas. Nestes casos, depende da instituição de acolhimento (e da respectiva unidade de I&D) adiantar ou, caso tal não seja possível, suspender os pagamentos mensais aos bolseiros por tempo indeterminado. 4. A antiga JNICT (antecessora da FCT), durante o programa CIÊNCIA, atribuía bolsas de investigação cujos respectivos montantes se encontravam indexados aos salários anuais líquidos dos docentes universitários com habilitações equivalentes, sendo o valor das bolsas actualizado quando o era o vencimento destes últimos, na mesma data e no mesmo montante. Com a entrada em vigor do programa PRAXIS XXI, a referida indexação deixou de existir o que teve por consequência a acentuada diminuição do valor das bolsas. A possibilidade de desenvolvimento, de acordo com as possibilidades e vontade do bolseiro, de actividades complementares à que justificava a concessão da bolsa (por exemplo: docência, formação, colaboração pontual ou a tempo parcial em projectos de investigação, consultoria, elaboração de pareceres científicos, etc.) permitia, no entanto, o auferimento de complementos remuneratórios (limitados) à bolsa concedida, para além de um contacto com realidades diversas, potenciador de oportunidades, por exemplo, relativamente a uma futura inserção profissional. O EBIC vem impor aos bolseiros de investigação o regime de dedicação exclusiva (com carácter obrigatório e não opcional) previsto no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, não obstante os bolseiros não beneficiarem dos mesmos direitos e regalias previstos para os trabalhadores desta carreira. Esta medida, para além da flagrante injustiça e discriminação que configura, veio limitar fortemente o tipo de actividades que os bolseiros podem eventualmente exercer em regime de complementaridade e os respectivos complementos remuneratórios à bolsa auferida. 5. A precaridade do vínculo de bolseiro constitui uma fonte de dificuldades de ordem variada ao normal desenvolvimento da vida pessoal dos bolseiros. Considerando a média etária que o estatuto de bolseiro abrange - jovens trabalhadores - não será difícil aquilatar as implicações da existência, e prolongamento no tempo, de um vínculo deste tipo. Um exemplo ilustrativo prende-se com a “concessão de benefícios que pressuponham a existência de rendimentos, designadamente para a obtenção de crédito à habitação própria e incentivos ao arrendamento para jovens” (nº 5 do artigo 5º do EBIC). Muito embora o EBIC
tenha consagrado um importante avanço neste domínio, a realidade tem demonstrado que, na prática, diversas instituições de crédito invocam a precaridade ou, em rigor, a ausência de um vínculo laboral para recusar o crédito. Acresce que mesmo nos casos em que todos os obstáculos são vencidos e o crédito é concedido, o bolseiro não se encontra livre de outras sérias preocupações. O EBIC estabelece o direito (!) de o bolseiro “suspender as actividades financiadas pela bolsa por motivo de maternidade, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família” bem assim como “por motivo de doença do bolseiro” (nº1 do artigo 5º do EBIC). Ora, por um lado, reconhece-se a importância de o bolseiro poder aceder ao crédito, por outro lado, não se salvaguarda a necessidade de protecção do bolseiro, por exemplo, na eventualidade de doença, pois se a bolsa é suspensa em caso de doença, o mesmo não acontece com a dívida contraída junto da instituição bancária. 6. O que devia ser uma situação temporária que permitisse a aquisição e valorização de conhecimentos científicos e, por essa via, eventualmente, a obtenção de um grau académico, acaba por se transformar, por ausência de uma política que vise a integração dos bolseiros nas carreiras, numa situação que se prolonga no tempo, num modo de vida, numa forma de subsistência assente na eternização inaceitável de uma situação de trabalho precário. Este facto tem levado à perda de uma quantidade considerável de recursos humanos altamente qualificados que, impedidos de desenvolver uma actividade de investigação com uma situação laboral estável e segura, optam por actividades profissionais para as quais estão claramente sobrequalificados ou que nada têm a ver com a formação e experiência adquiridas e com o trabalho anteriormente desenvolvido, ou ainda por prosseguir a sua actividade de investigação no estrangeiro, com os prejuízos óbvios que daí decorrem para o país. Os pontos acima enunciados tornam urgente uma alteração da política de recursos humanos vigente no sistema científico e tecnológico nacional, com a necessária implementação de medidas tendentes a corrigir injustiças e a valorizar, do ponto de vista social e laboral, a situação dos trabalhadores científicos (e dos jovens trabalhadores científicos, em particular). Estas medidas, de alcance diversificado, dever-se-ão articular em torno de dois eixos fundamentais, são eles: 1. A revalorização do estatuto do bolseiro de investigação científica e 2. o fim das restrições impostas à renovação dos quadros de pessoal das instituições públicas de I&D e a abertura de concursos para provimento de vagas nas carreiras - técnica, de investigação e docente universitária. 1. Revalorização do estatuto do bolseiro de investigação científica O reconhecido crescimento da produção científica nacional, ocorrido ao longo dos últimos anos, incorpora uma importante e decisiva contribuição dos bolseiros de investigação científica. Nos mais diversos ramos do conhecimento, os bolseiros têm empenhadamente trabalhado para o progresso científico e tecnológico do país e têm indiscutivelmente contribuído para elevar a investigação científica a patamares (muitas vezes de excelência) até aqui não alcançados. Sendo trabalhadores de facto, criadores de uma mais-valia de inquestionável valor, os bolseiros de investigação científica exigem ser tratados como tal. Nem o caracter temporário do trabalho realizado, nem o facto de o bolseiro se encontrar geralmente em formação, justificam que assim não seja. Por conseguinte, exige-se uma alteração profunda do estatuto do bolseiro que, -
percorrida por esta ideia central de que, possuindo embora especificidades próprias a ser consideradas, o bolseiro de investigação é um trabalhador de pleno direito - contemple, entre outros, os seguintes aspectos: - Direito efectivo à segurança social; integração no regime geral com a possibilidade de o
bolseiro efectuar descontos sobre o valor da sua bolsa; equiparação dos bolseiros, nos domínios da segurança social, regime de protecção social (ADSE/outro) e serviços sociais, aos restantes trabalhadores da Função Pública
- Direito ao subsídio de desemprego em condições semelhantes às dos demais trabalhadores - Reconhecimento legal do direito a férias - Progressiva equiparação do montante das bolsas às remunerações dos trabalhadores com
habilitações equiparadas das carreiras técnica, técnica superior, de investigação e docente universitária, consoante o tipo de bolsa e a instituição de acolhimento. (Neste domínio há que compatibilizar a necessidade de aumento anual dos montantes das bolsas com a existência de projectos, que prevêem a atribuição dessas bolsas, com financiamento plurianual)
- Equiparação aos restantes trabalhadores no usufruto de todos os subsídios estabelecidos por
lei, nomeadamente: subsídios de férias, Natal, almoço, turno, risco, etc. (sempre que estes últimos se justifiquem pela natureza das funções a desempenhar)
- A contagem do período de duração da bolsa para efeitos de reforma e concursos públicos - Tal como se encontra previsto no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, ainda que
igualmente se privilegie o exercício de funções em regime de dedicação exclusiva, este não deverá ter um caracter obrigatório, prevendo-se também o exercício de funções em regime de tempo integral. Igualmente, bolseiros em regime de dedicação exclusiva deverão beneficiar de um incremento do valor da sua bolsa, em equiparação ao previsto para a mesma situação no Estatuto da Carreira de Investigação Científica.
- A fiscalização regular por parte das entidades competentes da finalidade das bolsas de
investigação atribuídas (quer pela FCT quer por outras entidades), de forma a não permitir a utilização de bolseiros para assegurar necessidades permanentes das instituições, sem que sejam integrados em lugar de carreira
Estas são algumas das condições essenciais para a dignificação da condição de bolseiro, para cuja concretização é indispensável a elaboração de um novo Estatuto. Devem participar neste processo as entidades representativas dos bolseiros de investigação. 2. Abolição das restrições impostas à renovação dos quadros de pessoal das instituições públicas de I&D À imperiosa necessidade de elaboração e aprovação das novas leis orgânicas das instituições públicas de I&D (processo a cujo atraso é feita referência negativa no terceiro relatório de avaliação dos laboratórios do Estado), junta-se a indispensável actualização dos respectivos quadros de pessoal e a consequente abertura de vagas nas carreiras – administrativa, técnica, de
investigação e docente universitária e outras -, que permita a integração contínua e progressiva de pessoal com diferentes níveis de habilitações. Urge proceder a um levantamento sério e rigoroso de todas as situações de prolongamento da condição de bolseiro, nomeadamente dos casos em que os bolseiros se encontrem a assegurar necessidades (de investigação mas não só) de caracter permanente das instituições, o que implica, entre outras coisas, uma identificação dos postos de trabalho que vão sendo sucessivamente ocupados por bolseiros, para desempenho de uma mesma função (permanente). Feito este levantamento, dever-se-á proceder, num curto intervalo de tempo, à integração dos trabalhadores-bolseiros em causa nos quadros das respectivas instituições. Estas medidas permitiriam o necessário alargamento e renovação dos recursos humanos das instituições nacionais de I&D, factor decisivo para o progresso do sistema científico e tecnológico nacional.
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