Vera Regina da Silva Miguelote Indústria do conhecimento: Kenneth Rochel de Camargo Jr. uma poderosa engrenagem Knowledge industry: a powerful mechanism
O artigo aborda a articulação da indústria farmacêutica à indústria do conhecimento, por meio de poderosas estratégias de marketing. Com o objetivo de legitimar cientifi camente seus produtos, a indústria interfere na produção de conhecimento médico. Confi gurando uma engrenagem de direcionamento de interesses econômicos, fi nancia pesquisas na área de medicamentos, enviesa seus resultados e incentiva a produção e publicação de artigos científi cos. Trata-se de uma engrenagem que ameaça importantes aspectos éticos: transforma o processo de legitimação científi ca em estratégia de marketing, compromete a credibilidade do processo de construção do conhecimento médico e incentiva distorções nos critérios de avaliação de qualidade dos artigos científi cos. DESCRITORES: Indústria Farmacêutica. Pesquisa Biomédica. Publicidade de Medicamentos. Marketing. ABSTRACT
The paper deals with the pharmaceutical industry’s links to the knowledge industry, through powerful marketing strategies. With the aim of scientifi cally legitimizing its products, the pharmaceutical industry interferes with the production of medical knowledge. In the form of a mechanism for directing economic interests, it funds drug research, biases its results and stimulates the production and publication of scientifi c papers. This is a mechanism that threatens important ethical issues: it transforms the process of scientifi c legitimization into a marketing strategy, compromises the credibility of the process of constructing medical knowledge and encourages distortions of the criteria for evaluating the quality of scientifi c papers.
Departamento de Planejamento, Políticas
DESCRIPTORS: Drug Industry. Biomedical Research. Drug Publicity.
e Administração em Saúde. Instituto de Medicina Social. Universidade do Estado do
Marketing.
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Correspondência | Correspondence: Vera Regina da Silva Miguelote Centro Clínico Mariz e Barros R. Mariz e Barros, 176/706 – Icaraí 24220-121 Niterói, RJ, Brasil E-mail: [email protected]
Recebido: 2/12/2008Revisado: 2/9/2009Aprovado: 24/9/2009
INTRODUÇÃO
Confi gurado como mercadoria, o conhecimento ganhou
que a produção de conhecimento médico sustentada pela
a perspectiva de impulsionar investimentos da indústria,
pesquisa, assim como a divulgação de seus resultados,
tanto para o fi nanciamento de projetos de pesquisas
transformou-se em mercadoria. Ou seja, pesquisas
quanto para a produção de bens científi co-culturais.
científi cas sobre produtos farmacêuticos alimentam a
Por meio de uma dinâmica de publicação que envolve
produção de artigos, a circulação de conhecimento e
editoras, revistas, artigos, entre outros mecanismos
a venda de medicamentos. É com este mote que parte
estratégicos de divulgação de seus produtos, a indústria
importante das atividades de pesquisa e da produção
potencializa interesses econômicos na área biomédica,
e distribuição de conhecimento biomédico está sob
entrelaçando geração de lucro a prestígio científi co.
controle de interesses comerciais privados.
Em estudo sobre a política econômica da produção
Na lógica biomédica, a credibilidade da pesquisa na
e difusão do conhecimento biomédico, Camargo
área de medicamentos baseia-se, preferencialmente,
Junior3 (2009) cunhou a expressão indústria do conhe-
no combate a doenças específi cas, e está condicio-
cimento para defi nir a confi guração contemporânea
nada à exigência de legitimação científi ca do uso do
dos processos de negociação da produção científi ca,
medicamento. Essa demanda ancora-se na produção
que envolve a construção do conhecimento médico
de pesquisas que “demonstrem”, de forma “cientifi ca-
e a produção de artigos científi cos. Tratou o assunto
mente” apropriada, a efi cácia do novo medicamento na
como parte integrante do Complexo Médico Industrial,8
apontando distorções no exercício de poder que comprometem o controle das atividades de pesquisa e
Em função “dessa necessidade” e com a fi nalidade
de alavancar vendas, a indústria desenvolveu, como estratégia, formas variadas de apropriação criativa
Embora a produção científi ca tenha vários níveis, e
de resultados de pesquisa. Trata-se da utilização de
represente uma multiplicidade de interesses, a principal
técnicas de enviesamento de resultados, tais como
instância de validação do conhecimento é a pesquisa
expansão da base de usuários das novas drogas, ou, até
empírica. À medida que a produção econômica passou a
mesmo, criação de novas doenças ou exagero na ameaça
depender desse valor, legitimar produtos farmacêuticos
de agravos – o que, na literatura de língua inglesa, é
por meio da pesquisa científi ca passou a ser questão
crucial para a indústria. Conhecimento revestido de cientifi cidade transformou-se em argumento estratégico
Em seu estudo sobre o processo de construção de novas
doenças ou disfunções, Payer15 (2006) identifi cou dez táticas de manipulação de pesquisas: 1- atribuir a uma
Confi gurando-se em poderosa engrenagem de dire-
função normal algo de errado a ser tratado; 2- imputar
cionamento de interesses econômicos, o conjunto das
sofrimento onde não existe; 3- defi nir ampla proporção
estratégias de marketing da indústria do conhecimento
da população como passível de sofrimento pela doença;
envolve fi nanciamento de pesquisas na área de medi-
4- defi nir condição de defi ciência ou desequilíbrio; 5-
camentos, enviesamento de seus resultados, engendra-
dar a voz a spin doctors, especialistas em comunicação
mento de doenças, e incentivo à produção e publicação
(que interpretam resultados de acordo com os interesses
em jogo); 6- particularizar enfoque sobre o tema; 7- exagerar benefícios do tratamento a partir de dados
O objetivo do presente trabalho foi discutir como a
estatísticos seletivos; 8- pontuar de forma distorcida
indústria farmacêutica, com enorme força econômica,
o objetivo; 9- promover tecnologias tratando-as como
utiliza-se de estratégias de marketing para se articular ao
“magicamente” livres de riscos; 10- transformar um
que, metaforicamente, pode-se denominar indústria do
sintoma, sem maior signifi cado, em sinal de doença
conhecimento. Por se caracterizar como um processo de
séria.Considerando que a dualidade normal-patológico
produção controlado por interesses privados, o conjunto de atividades relacionadas à construção, validação
é estruturante no pensamento biomédico,4-6 a estra-
e difusão do conhecimento médico fi ca submetido à
tégia consiste na busca de um desvio do normal, cuja
interferência da lógica econômica da indústria.
demarcação pode dar sustentação a uma demanda por terapêutica medicamentosa. Em função de inevitáveis componentes socioculturais, existe uma plasticidade na
LEGITIMAÇÃO CIENTÍFICA COMO
defi nição de “normalidade” – e, portanto, também de
ESTRATÉGIA DE MARKETING
doença – que permite a transformação de fenômenos fi siológicos em “desvios”; ou seja, ao serem caracteri-
Financiar programas de pesquisa e produzir conhe-
zados como patologias, precisam ser tratados.
cimento científi co – de acordo com seus interesses – passou a ser uma estratégia fundamental de marketing
Tendo como referência a dimensão construtivista da
da indústria farmacêutica. Nesse sentido, pode-se dizer
produção técnico-científi ca, Hess10 (1995) defendeu,
em seus estudos sobre classe, gênero, sexo, raça e
A dimensão desse processo de medicalização é de tal
etnicidade, a possibilidade de certos aspectos cultu-
ordem que a produção de medicamentos na área da
rais serem re-signifi cados pela ciência e implantados
sexualidade não está direcionada à doença, mas ao
socialmente. Para designar esse mecanismo, o autor
aumento da potência. Desde o lançamento do Viagra®
usou a metáfora do totemismo (tecnototemismo); e,
em l998, mais de 17 milhões de prescrições foram feitas
para explicar a surpreendente facilidade com que a
para o tratamento de disfunção erétil. Em 2001, a Pfi zer
sociedade assimila novos conhecimentos e novas
declarou faturamento de 1 bilhão e meio de dólares.13
tecnologias, usou a expressão strategies of circumven-tion (estratégias de “contorno”).
Na tentativa de reproduzir na sexualidade feminina o sucesso alcançado com o lançamento do Viagra®, a
Signifi ca que, para a indústria farmacêutica introduzir
indústria farmacêutica está investindo numa linha de
determinada substância no mercado, precisa associá-la
pesquisa que busca uma nova “realidade”: a disfunção
ao conhecimento. É a caracterização do produto como
sexual feminina. Moynihan13 (2003) considera que o
evidência científi ca que direciona a venda. O meca-
objetivo é de criar necessidades e abrir mercado para
nismo é o descrito acima: em primeiro lugar, o foco de
outros medicamentos. Moynihan13 critica o patrocínio
interesse está em encontrar, a partir de uma concepção
dessas pesquisas e cita como exemplo a publicação
biológica, uma descrição consensual de um estado de
de um artigo pela JAMA em fevereiro de 1999, no
natureza; em segundo, defi nir um desvio deste estado,
qual seus autores (vinculados à Pfizer) anunciam
para caracterizar como anormalidade; e, em terceiro,
como resultado de pesquisa a prevalência de 43% de
investir em pesquisas voltadas à correção dessa pres-suposta anormalidade.
disfunção sexual em mulheres com idades entre 18 e 59 anos. Após seis meses de circulação do assunto na
Exemplo desse processo em nossa sociedade foi
mídia, a Pfi zeranunciou que um novo medicamento
descrito por Lexchin11 (2006), que relata como a
estava sendo testado para tratamento de desordens da
Pfi zer transformou a ação do Viagra® (sildenafi l) –
tratamento, considerado efi caz e seguro, da disfunção erétil secundária a causas médicas (diabetes, doenças
Segundo o autor,13 a análise dos dados dessa pesquisa
da coluna, entre outros) – em prescrição direcionada
mostrou sérios problemas. Cerca de 1.500 mulheres
a homens saudáveis, com o objetivo de melhorar o
foram questionadas, devendo responder com sim ou
desempenho erétil, capacitando-os a manter a ereção
não se tinham experimentado algum problema de uma
lista de sete, nos últimos meses do ano anterior. A lista incluía critérios de avaliação da sexualidade, tais como
Confi nado ao tratamento de causas secundárias, seria
falta de desejo sexual, ansiedade sobre a performance
um medicamento com sucesso bastante modesto
sexual e difi culdades com lubrifi cação. Se a mulher
em função do mercado limitado. Assim, a principal
respondia sim a uma das sete questões, era incluída no
motivação da Pfi zer em patrocinar pesquisas sobre o
grupo caracterizado como disfunção sexual.
Viagra® foi dar sustentação científi ca ao seu lança-mento, impulsionando, com essa estratégia, a sua
Como estratégias de marketing, esses “dados cientí-
comercialização. Com a intenção de transformá-lo em
fi cos” foram amplamente divulgados pela mídia, com a
produto com grande abrangência de uso na população
seguinte afi rmação: “43% das mulheres têm disfunção
masculina, o critério de sucesso do tratamento da
de uma forma ou de outra, mas nem todas têm a forma
disfunção erétil precisava ser defi nido. Assim surgiu
mais severa”. Trata-se de um processo que busca a
a necessidade de expandir a percepção de prevalência
“conscientização pública do problema”, ou seja, a acei-
da disfunção erétil. A aposta inicial foi direcionada aos
tação da disfunção sexual feminina como uma doença
homens com idade acima de 40 anos, baseada na supo-
sição de que tinham uma signifi cativa preocupação com a ereção. E, fi nalmente, o Viagra® passou a ser
Apontando controvérsias relativas a normatização de
apresentado como importante opção de tratamento para
respostas sexuais fi siológicas femininas e ao processo
homens com qualquer grau de disfunção, inclusive
de medicalização da sexualidade, Moynihan13 (2003)
falhas raras ou transitórias no desempenho.11
defende a importância de acompanhamento mais rigo-roso desses processos de pesquisa. Para ele, categorizar
A reifi cação da ereção como essência da sexualidade
difi culdade sexual como disfunção tem a fi nalidade de
masculina abriu caminho para a construção do conceito
induzir os médicos a prescreverem medicamentos que
de disfunção sexual masculina. Em outras palavras,
“corrijam” (dis)funções sexuais.
foram capturados dados da sexualidade masculina e postos a serviço da suposta condição ideal (ou normal).
A despeito da imprecisão conceitual, a abordagem crítica
Em nome da saúde, a partir de achados do cotidiano,
sobre a exploração estratégica da fronteira entre normal
um poderoso mecanismo de intervenção da vida cria
e patológico pela indústria, pode ser marcadamente
formas padronizadas de comportamento.
elucidada pelo argumento de Canguilhem6 (2006):
“Se o normal não tem a rigidez de um fato coercitivo
americana que prevê a liberação de documentos sob a
coletivo, e sim a fl exibilidade de uma norma que se
guarda do governo (Freedom of Information Act), um
transforma em sua relação com condições individuais,
grupo de pesquisadores obteve acesso à documentação
é claro que o limite entre o normal e o patológico é
da empresa submetida à corte de justiça.1
impreciso. No entanto, isso não nos leva à continuidade de um normal e um patológico idênticos em essência
Após analisar esses documentos, Steinmanet al16 (2006)
[.], a uma relatividade da saúde e da doença bastante
identifi caram como alvo dos interesses do marketing
confusa para que se ignore onde termina a saúde e onde
do laboratório a seleção de três grupos específi cos de
médicos, a saber: 1- médicos selecionados em função da relação dólar/prescrição; 2- médicos com poder de infl uência (expositores de programas); 3- líderes, iden-
PESQUISA E PUBLICAÇÃO: ESTRATÉGIAS NA
tifi cados pela atuação nas associações médicas locais. PROMOÇÃO DE MEDICAMENTOS
Além disso, com o objetivo de passar a idéia de envol-
Caracterizando uma poderosa engrenagem que articula
vimento com a prática médica, a Parke-Davis alocou
a indústria farmacêutica à indústria do conhecimento,
orçamento específi co em “programas para residentes”:
uma estreita relação entre pesquisa e produção de
métodos educativos; pagamento a médicos conferen-
evidências científi cas alimenta a produção de artigos,
cistas; criação de conselhos consultivos; promoção
difusão de conhecimento e venda de medicamentos.
de encontros de consultores; além de estratégias de
Com interesse concentrado na publicação e propagação
pesquisa e publicação. A análise da documentação
de conhecimento médico, a indústria farmacêutica
interna mostrou a enorme extensão das atividades
– sem priorizar a qualidade – investe na quantidade
de marketingdo laboratório, para muito além da
de publicação. Assim, produção de conhecimento
propaganda aberta, apontada por eles como a ponta do
médico tornou-se uma linha de produção sustentada
iceberg. A maior parte das atividades (e dos recursos)
ocorre como propaganda dissimulada, incluindo-se aí
A necessidade de dar credibilidade a resultados de
interesse econômico impulsionou o investimento da
Embora os artigos e publicações especializadas
indústria farmacêutica em pseudo-pesquisas. Apesar
se baseiem nas provas produzidas no decorrer das
da aparência de pesquisa verdadeira, seu objetivo não
pesquisas, os relatórios dos resultados das pesquisas são
é a produção de novos conhecimentos. Essas pesquisas
manipulados de acordo com os interesses comerciais
são, na verdade, estratégicas de marketing, com meto-
da indústria e apresentados aos médicos sob a égide
dologia deliberadamente enviesada para fortalecer a
da credibilidade científi ca. Trata-se de estratégias de
posição comercial de determinado medicamento, com
marketing direcionadas aos médicos prescritores, que,
resultados que “comprovam” o que está sendo dito
para se manterem atualizados precisam acompanhar
a divulgação das mais recentes evidências científi cas.
Além disso, embora uma avaliação mais atenta revele
Uma vez que a intervenção médica é direcionada por
que a maioria das chamadas inovações farmacológicas
esse conhecimento, é fundamental que tais relatórios
deriva, na verdade, de pequenas modificações em
produtos já existentes ou simplesmente de renovação de
No entanto, conforme aponta Angell1 (2007), já existem
patente, ao anunciar uma série de novos medicamentos,
estudos mostrando a propensão de pesquisadores
baseada em publicação científi ca, a indústria farma-
patrocinados pela indústria a favorecerem os produtos
cêutica reforça a falsa idéia de freqüentes mudanças
da empresa. Para a autora, o caráter tendencioso dos
ensaios encontra-se na simples supressão de resultados
Aqui, cabe citar como exemplo o caso da gabapentina
negativos, ou quando o pesquisador elogia uma droga,
(Neurotin®): um medicamento aprovado pela Food and
cujos resultados não justifi cam qualquer entusiasmo.
Drug Administration, dos Estados Unidos, em 1994, para
Essa tendenciosidade pode também estar embutida no
tratar apenas crises epiléticas não controladas por outras
projeto de pesquisa, como é o caso de ensaios clínicos
drogas. Visando expandir o mercado, a Parke-Davis
controlados por placebo (pílula inerte). Isso signifi ca
engendrou um plano chamado “estratégia de publica-
que o medicamento está sendo comparado com coisa
ções” para fazer com que os médicos prescrevessem
nenhuma e que, se comparado com outros existentes no
o Neurotin® com outras indicações terapêuticas. O
mercado, podem, na verdade, se revelar menos efi cazes
governo americano levou a empresa aos tribunais por
do que quando comparados com placebos. Existem
essa violação. Em 2004, a Pfi zer (que incorporou a
ensaios, para estudar drogas direcionadas ao tratamento
Parke-Davis em 2000) admitiu sua responsabilidade
de pessoas mais velhas, cujos testes são feitos em
na violação da regulação federal na promoção da gaba-
pessoas jovens. Em outros casos, a comparação da nova
pentina, encerrando o processo por meio de um acordo
droga é feita com um medicamento antigo, ministrado
com o governo. Posteriormente, com base na legislação
Pode-se dizer que, na medida em que a ideologia cientí-
Ao analisar dois artigos publicados nos Anais da
fi ca é projetada como produtora de verdades absolutas,
Academia Brasileira de Ciências, sobre a consolidação
a ciência confere ao conhecimento a categoria de mito.
da presença brasileira na base de dados ISI Thomson-
Ressonância disso é a suscetibilidade dos médicos a
Reuters, Guimarães9 (2007) também critica o método
assimilarem a suas práticas prescritivas, sem avaliação
de seleção dos artigos: primeiro, porque o mérito e/ou
crítica, os medicamentos revestidos de “caráter cien-
relevância das contribuições científi cas são remetidos
tífi co”, apresentados pelos propagandistas (represen-
a uma categoria chamada “impacto”; segundo, porque
tantes comerciais da indústria farmacêutica).2
esse “impacto” é indicado pelo número de vezes que o artigo é citado em periódicos indexados.
Camargo Junior2 (2003) defende que é nesse contexto de idéias pré-estabelecidas, no qual os médicos se
Por se tratar de dados quantitativos, a análise desse
abstraem da análise crítica dos resultados de pesquisas,
“impacto” pode ser fortemente influenciada pelo
que a indústria farmacêutica surge como fi nanciadora de
modo como a pesquisa foi organizada, como é o caso
pesquisas e apropria-se da possibilidade de direcionar
dos estudos multicêntricos, onde é possível observar:
interesses na área biomédica. Ao incentivar a produti-
1- grandes redes de pesquisadores com potencial para
vidade de conhecimento, a indústria joga com a idéia
a captação de pacientes que se submetam a protocolos
de irremediável progresso tecnológico. Dessa forma,
padronizados; 2- remuneração dos pesquisadores por
justifi ca o enorme volume de publicações, produzindo
paciente captado; 3- precária garantia dos padrões éticos
no médico – cujo reconhecimento depende de se manter
de pesquisa. Assim sendo, é provável que a partici-
atualizado – a inquietante sensação de estar permanen-
pação de autores nacionais nos artigos selecionados
pela base de dados ISI tenha sido irrisória. No entanto,
Segundo Angell1 (2007), empresas de educação médica
receberam o crédito formal pela autoria, reconhecida
são contratadas para elaborar os artigos, além de conse-
pelas instâncias de avaliação da produção de pesquisa
guir “autores” para assiná-los. Uma delas, por exemplo,
no País (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
recebeu US$12.000 para cada um dos 12 artigos jorna-
de Nível Superior –CAPES, Conselho Nacional de
lísticos que preparou; e pagou aos “autores” acadê-
Desenvolvimento Científi co e Tecnológico – CNPq, e
micos US$1.000 por assinatura. Num dos relatórios
fundações estaduais de apoio à pesquisa).9
enviados à Parke-Davis, consta um anúncio em que a empresa demonstra difi culdade para terceirizar autoria:
Ao abordar o tema das questões éticas na pesquisa cien-
“Autor interessado, ainda brincando de esconde-
tífi ca, Castiel et al5 (2007) concordam que “pode haver
esconde por telefone”. E depois, em letras maiúsculas:
vários tipos de má-conduta e fraudes no meio científi co,
“[NOSSA FIRMA] TEM O TEXTO PRONTO, SÓ
como o gerenciamento dos protocolos, amostragens e
PRECISAMOS DE AUTOR” (p. 174). Na mesma
dos dados em geral”, além de “um crescente aumento de
linha de abordagem, Guimarães9 (2007) argumenta
autores por artigo, signifi cando mais do que o suposto
que, na maioria dos ensaios clínicos patrocinados pela
aumento dos integrantes dos grupos de pesquisa, mas
indústria para testar novas drogas ou procedimentos,
sim a possível prática de “escambo autoral”.
os protocolos são elaborados pelo patrocinador e os
A despeito de tudo isso, em relação ao Brasil,
dados coletados são integralmente enviados, em estado
Guimarães9 (2007) defende que não se deve desesti-
bruto, para serem analisados por ele. Isso signifi ca que,
mular ou conter o fi nanciamento de ensaios clínicos pela
embora a participação dos médicos nas pesquisas se
indústria ou por outras instituições externas, desde que
limite à inclusão de pacientes e à execução dos proce-
nos processos de pesquisas sejam garantidos padrões
dimentos previstos em protocolo padronizado, são eles
éticos e práticas republicanas de remuneração.
Em se tratando da qualifi cação de artigos publicados,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
a situação complica-se ainda mais. Talvez seja esse o sentido do questionamento feito por Novaes14 (2007)
A abordagem da indústria do conhecimento na pers-
quanto à utilização de métodos de avaliação baseados
pectiva de uma poderosa engrenagem conduzida
no número de citações de um artigo como indicador
por estratégias de marketing pretendeu contribuir na
de impacto da pesquisa publicada, assim como de seu
compreensão dos mecanismos de interferência do poder
potencial para criação de novos conhecimentos. Em seu
econômico dominante, representado pela indústria
argumento, Novaes14 apresenta resultados de estudos
farmacêutica, no processo de produção, divulgação e
exploratórios na área da pesquisa em saúde, mostrando
aplicação de conhecimento médico.
que, nos artigos analisados, “apenas em um pequeno número de artigos o trabalho citado foi considerado
Uma vez que o interesse em fi nanciar pesquisas, inter-
relevante”, o que signifi ca que o número de citações não
ferir em seus resultados e publicá-los está relacionado
está diretamente associado à importância da produção
a estratégias de marketing da indústria farmacêutica,
os recursos destinados a pesquisas acabam sendo
direcionados aos ensaios que dão resultados satisfató-
No Brasil, a possibilidade dessa interação em novas
rios, ou seja, que divulguem o laboratório e aumentem
bases pode ser constatada no mecanismo de reformu-
lação periódica do consenso da terapia antiretroviral (TARV). Em 1996, a Coordenação Nacional de DST/
Apesar dos esforços em manter velados os reais inte-
Aids do Ministério da Saúde (MS), assessorada por
resses em jogo, o direcionamento enviesado de recursos
especialistas, formulou o primeiro consenso da TARV.
revela importantes contradições, ou seja, embora o
A partir de então, periodicamente, o comitê atualiza as
discurso da indústria anuncie colaboração na produção
recomendações de acordo com as evidências científi cas
de conhecimento médico, essa colaboração não está
Trata-se, portanto, de uma engrenagem que ameaça
Esse processo é um exemplo da apropriação pública de
importantes aspectos éticos: transforma o processo
conhecimento científi co, mais próximo das demandas
de legitimação científi ca em estratégia de marketing,
de saúde da população e menos sujeito às interferências
compromete a credibilidade do processo de construção
do conhecimento médico e incentiva distorções nos crité-
Concluindo, não se trata de negar a importância dos
rios de avaliação de qualidade dos artigos científi cos.
estudos que avaliam efi cácia e efetividade dos medica-
Dizer que interesses comerciais não devem infl uenciar
mentos, essas investigações são fundamentais. Em sua
nas decisões médicas é uma concepção consensual.
prática clínica, os médicos dependem de informações
Mediante a ineficácia dos esforços para manejar
sobre efeito e segurança das substâncias para se orien-
confl itos de interesses e abusos de poder, novas estra-
tarem em suas prescrições. O desafi o está em garantir
tégias precisam ser implementadas: não descuidar de
que interesses econômicos não se contraponham a
uma regulação rigorosa; fazer uma estrita separação
aspectos éticos e metodológicos imprescindíveis no
entre atividades comerciais e científi cas; além de uma
processo de produção do conhecimento, para que se
profunda reavaliação da interação entre profi ssionais
obtenha resultados confi áveis e isentos de confl itos
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Business 2000 • Phase 1 Clinical Trials The Elan Story Here the drug is tested on human volunteers to confirm that theMedicinal drugs can be delivered in a number of different ways. Theydrug is safe to give to people. These trials can last for a year orElan Corporation plc is a phenomenal Irish success story. Today it ismay, for example, be delivered orally, injected into