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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.370.646 - SP (2012/0123624-0)

RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por LABORATÓRIO PFIZER LTDA. e PFIZER PRODUCTS INC., com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra Ação: inibitória, cumulada com perdas e danos, ajuizada pelas recorrentes
em desfavor de EMS S.A. e LEGRAND PHARMA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA LTDA., objetivando: (i) impedir a comercialização do produto “AH-ZUL”, fabricado pelas rés, com qualquer referência à cor azul ou ao formato de diamante; (ii) impedir as rés de usarem a marca nominativa “VIAGRA” em seus materiais publicitários; e (iii) obrigar as rés a alterarem as marcas e a vestimenta do produto “AH-ZUL”, de modo a evitar confusão ou falsa associação com o medicamento “VIAGRA”.
Decisão interlocutória: o Juiz de primeiro grau de jurisdição antecipou os
efeitos da tutela para deferir os pleitos das recorrentes, determinando inclusive a retirada de circulação, no prazo de 30 dias, de todos e quaisquer produtos, bem como matérias publicitárias, em todas as versões e tamanhos que contenham a marca “AH-ZUL” e a atual embalagem do medicamento, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00 (fls. 104/108, e-STJ). Essa decisão foi impugnada por agravo de instrumento.
Acórdão: o TJ/SP deu provimento ao agravo de instrumento das recorridas
para suspender a restrição de comercialização dos produtos, afirmando inexistir, “em cognição sumária, prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações deduzidas na inicial” frisando ser “controversa a possibilidade de que os medicamentos gerem confusão entre os consumidores” (fls. 594/596, e-STJ).
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Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados
Recurso especial: alega violação dos arts. 535 do CPC e 195, III, da Lei nº
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso
(fls. 670/671, e-STJ), dando azo à interposição do ARESp 190.868/SP, provido para determinar a sua reautuação como especial (fl. 714, e-STJ).
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.370.646 - SP (2012/0123624-0)

RELATORA
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a determinar a existência de violação da marca “VIAGRA”, bem como de concorrência desleal, na utilização da marca “AH-ZUL” para venda de I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.
Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício que pudesse ser O TJ/SP se pronunciou de modo a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.
Por outro lado, encontra-se assente no STJ que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição.
Constata-se, em verdade, a irresignação das recorrentes com o resultado do Documento: 28487226 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Superior Tribunal de Justiça
julgamento e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.
Não se vislumbra, pois, a alegada negativa de prestação jurisdicional.
II. Da concorrência desleal. Violação do art. 195, III, da Lei nº
9.279/96.
Na ótica das recorrentes, a tipificação do crime de concorrência desleal é aberta, admitindo qualquer prática comercial tendente a se aproveitar parasitariamente de criação ou de elemento integrante de aviamento alheio para captação de clientela.
Nesse contexto, o risco de confusão do consumidor – que segundo alegam as recorrentes teria sido o único fundamento do TJ/SP para dar provimento ao agravo de instrumento – seria apenas um dos elementos caracterizadores da concorrência desleal, sendo que, na espécie, a prática ilegal teria outros reflexos: (i) o “risco manifesto de associação indevida do produto das recorridas com o das recorrentes”, induzindo consumidores a crer que há relação entre os medicamentos, equivocando-se quanto à sua real procedência; (ii) a diluição do “poder de distintividade” do produto das recorrentes no mercado, afetando o seu fundo de comércio; e (iii) o “aproveitamento gracioso” do investimento das recorrentes no desenvolvimento do produto, viabilizando a comercialização a preços mais baixos (fl. 631, e-STJ).
Em primeiro lugar, nota-se que esses outros possíveis efeitos levantados pelas recorrentes – que teoricamente também caracterizariam concorrência desleal – dependem direta ou indiretamente da constatação de que o produto de fato confunde o Com efeito, não se poderá falar em risco manifesto de associação indevida, diluição do poder de distintividade e/ou aproveitamento gracioso de investimento se, como decidiu o TJ/SP, as características do produto das recorridas forem incapazes de induzir o consumidor a erro frente ao produto das recorrentes.
Por outro lado, ao contrário do que as recorrentes procuram fazer crer, o TJ/SP não se baseou exclusivamente no perigo de confusão dos consumidores para Documento: 28487226 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Superior Tribunal de Justiça
suspender a restrição de comercialização do produto “AH-ZUL”.
Além de abordar o mencionado risco, o TJ/SP também destaca que “a embalagem de ambos não é semelhante, enquanto a cor do comprimido em nada influenciará nessa decisão, pois não é possível visualizar qualquer dos medicamentos sem antes abrir a embalagem, o que só é possível após a compra” (fl. 596, e-STJ).
Portanto, o acórdão recorrido não afastou apenas as consequências do comportamento supostamente nocivo das recorridas; foi além, descaracterizando a própria ilegalidade da conduta, concluindo pela inexistência de elementos violadores do Não bastasse isso, o TJ/SP também destaca que “a análise das demais questões se mostra prematura neste momento processual e depende de dilação probatória sem que se possa prescindir do princípio do contraditório” (fl. 596, e-STJ).
Realmente, não se pode descuidar do fato de que estamos diante de decisão antecipatória dos efeitos da tutela, concedida em sede de cognição sumária, a exigir demonstração cabal da verossimilhança das alegações que motivam o pedido.
Considero relevante, nesse ponto, trazer a lume as considerações que teci no julgamento do REsp 1.284.971/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 04.02.2013, em que se discutiu justamente a existência de concorrência desleal no desenvolvimento e comercialização de um produto a partir de características distintivas Naquela ocasião, salientei que a resolução de controvérsias dessa natureza não se resume à definição de questões puramente de direito. Conforme ponderei, “ainda que existam aspectos legais a serem considerados e aplicados, a definição do potencial ofensivo da embalagem das recorridas exige, antes de mais nada, uma análise técnica de propaganda e marketing tendente a estabelecer se o produto gera ou não confusão para o Não se nega que o Juiz deve decidir com base em seu livre convencimento, mas sua manifestação deve ser racional e motivada, nos termos do art. 131 do CPC, o que somente será possível se ele dispuser de elementos suficientes para tanto, o que, em se tratando de questão eminentemente técnica, via de regra demanda subsídios derivados de Documento: 28487226 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Superior Tribunal de Justiça
Na realidade, o critério central para se averiguar a necessidade de produção da prova pericial deriva da interpretação conjugada dos arts. 145 e 335 do CPC, os quais estabelecem, respectivamente, que o Juiz: (i) deve ser assistido por perito quando a prova depender de conhecimento técnico ou científico; e (ii) pode valer-se de regras de experiência comum e também de eventual experiência técnica acessível a quem não é especializado em assuntos alheios ao direito, ressalvando os casos em que é de rigor a Ao analisar essa sistemática probatória, Cândido Rangel Dinamarco bem observa que ao Juiz é facultado presumir com fundamento na experiência comum, bem como extrair conclusões fundadas em experiência técnica, mas ressalva que, nesse último caso, esse conhecimento não deve passar de “meras noções que o Juiz tenha e que, por cultura geral, também os advogados das partes possam ter”. O autor acrescenta que, “quando se passa ao campo dos princípios de uma ciência, conceitos avançados, fórmulas, teorias, é indispensável a perícia ser feita por um profissional especializado” (Instituições de direito processual civil, vol. III, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. No mesmo sentido é a lição de Fredie Didier Jr., para quem a prova pericial se mostra adequada quando “a demonstração dos fatos implicar exames técnicos e científicos, que dependam de conhecimentos que estejam fora do alcance do homem-comum, do homem médio” (Curso de direito processual civil, vol. II, 4ª ed. Salvador: Jus Podium, 2009, p. 240).
Em síntese, a prova pericial atua no campo dos fatos a cujo conhecimento seguro somente é possível mediante análise fundada em premissas técnico-científicas.
Retomando a hipótese dos autos, fica evidente ter o TJ/SP concluído que não poderia, nos estreitos limites de cognição do pedido de antecipação de tutela e sem a manifestação de um perito de confiança do juízo, aferir a plausibilidade das assertivas contidas na inicial, notadamente se a alegada similitude entre os medicamentos é aceitável do ponto de vista legal, como consectário de técnicas mercadológicas tendentes ao posicionamento de um determinado produto no mercado, ou se na realidade estamos Documento: 28487226 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Superior Tribunal de Justiça
diante de um ato abusivo, usurpador de marca alheia e caracterizador de concorrência A verdade é que até o presente momento – ou pelo menos até o julgamento do agravo de instrumento – a lide foi apreciada exclusivamente com base na visão pessoal dos julgadores que, não obstante deva ser levada em consideração – até pela condição de consumidor de cada Juiz e, sobretudo, pelo juízo sumário próprio das antecipações de tutela – não contém uma análise da questão a partir de critérios científico-mercadológicos, que somente um especialista na área poderá realizar.
E, como frisou o TJ/SP, dentro da limitada análise que era possível fazer até o momento, as alegações das recorrentes eram de “duvidosa verossimilhança”, além de se ter destacado a “irreversibilidade da medida” (fl. 596, e-STJ).
Em síntese, no estágio em que o processo se encontrava, as alegações das recorrentes, confrontadas exclusivamente pela experiência individual dos componentes da Câmara julgadora, não se mostraram aptas à demonstração de sua verossimilhança.
Somente com o desenvolvimento da fase instrutória, após a apresentação de estudos especializados, realizados por profissionais da área, é que será possível afirmar se a conduta das recorridas é ou não admissível no meio publicitário, bem como se há bases concretas para se presumir a confusão dos produtos, aí considerada a totalidade dos consumidores (ou pelo menos uma amostragem confiável e segura, apta a revelar o comportamento médio dos consumidores) e não só a experiência individual de cada Para além disso, o acolhimento das teses das recorrentes exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
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