RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por LABORATÓRIO PFIZER
LTDA. e PFIZER PRODUCTS INC., com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra
Ação: inibitória, cumulada com perdas e danos, ajuizada pelas recorrentes
em desfavor de EMS S.A. e LEGRAND PHARMA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
LTDA., objetivando: (i) impedir a comercialização do produto “AH-ZUL”, fabricado
pelas rés, com qualquer referência à cor azul ou ao formato de diamante; (ii) impedir as
rés de usarem a marca nominativa “VIAGRA” em seus materiais publicitários; e (iii)
obrigar as rés a alterarem as marcas e a vestimenta do produto “AH-ZUL”, de modo a
evitar confusão ou falsa associação com o medicamento “VIAGRA”. Decisão interlocutória: o Juiz de primeiro grau de jurisdição antecipou os
efeitos da tutela para deferir os pleitos das recorrentes, determinando inclusive a retirada
de circulação, no prazo de 30 dias, de todos e quaisquer produtos, bem como matérias
publicitárias, em todas as versões e tamanhos que contenham a marca “AH-ZUL” e a
atual embalagem do medicamento, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00
(fls. 104/108, e-STJ). Essa decisão foi impugnada por agravo de instrumento. Acórdão: o TJ/SP deu provimento ao agravo de instrumento das recorridas
para suspender a restrição de comercialização dos produtos, afirmando inexistir, “em
cognição sumária, prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações
deduzidas na inicial” frisando ser “controversa a possibilidade de que os medicamentos
gerem confusão entre os consumidores” (fls. 594/596, e-STJ).
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Superior Tribunal de Justiça Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados Recurso especial: alega violação dos arts. 535 do CPC e 195, III, da Lei nº Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso
(fls. 670/671, e-STJ), dando azo à interposição do ARESp 190.868/SP, provido para
determinar a sua reautuação como especial (fl. 714, e-STJ).
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RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a determinar a existência de violação da marca “VIAGRA”,
bem como de concorrência desleal, na utilização da marca “AH-ZUL” para venda de
I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.
Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que a prestação jurisdicional
dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício que pudesse ser
O TJ/SP se pronunciou de modo a abordar todos os aspectos fundamentais
do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto
do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade,
contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele
entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu
exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento,
consoante dispõe o art. 131 do CPC.
Por outro lado, encontra-se assente no STJ que os embargos declaratórios,
mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a
decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição.
Constata-se, em verdade, a irresignação das recorrentes com o resultado do
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julgamento e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o
que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.
Não se vislumbra, pois, a alegada negativa de prestação jurisdicional. II. Da concorrência desleal. Violação do art. 195, III, da Lei nº 9.279/96.
Na ótica das recorrentes, a tipificação do crime de concorrência desleal é
aberta, admitindo qualquer prática comercial tendente a se aproveitar parasitariamente de
criação ou de elemento integrante de aviamento alheio para captação de clientela.
Nesse contexto, o risco de confusão do consumidor – que segundo alegam
as recorrentes teria sido o único fundamento do TJ/SP para dar provimento ao agravo de
instrumento – seria apenas um dos elementos caracterizadores da concorrência desleal,
sendo que, na espécie, a prática ilegal teria outros reflexos: (i) o “risco manifesto de
associação indevida do produto das recorridas com o das recorrentes”, induzindo
consumidores a crer que há relação entre os medicamentos, equivocando-se quanto à sua
real procedência; (ii) a diluição do “poder de distintividade” do produto das recorrentes
no mercado, afetando o seu fundo de comércio; e (iii) o “aproveitamento gracioso” do
investimento das recorrentes no desenvolvimento do produto, viabilizando a
comercialização a preços mais baixos (fl. 631, e-STJ).
Em primeiro lugar, nota-se que esses outros possíveis efeitos levantados
pelas recorrentes – que teoricamente também caracterizariam concorrência desleal –
dependem direta ou indiretamente da constatação de que o produto de fato confunde o
Com efeito, não se poderá falar em risco manifesto de associação indevida,
diluição do poder de distintividade e/ou aproveitamento gracioso de investimento se,
como decidiu o TJ/SP, as características do produto das recorridas forem incapazes de
induzir o consumidor a erro frente ao produto das recorrentes.
Por outro lado, ao contrário do que as recorrentes procuram fazer crer, o
TJ/SP não se baseou exclusivamente no perigo de confusão dos consumidores para
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suspender a restrição de comercialização do produto “AH-ZUL”.
Além de abordar o mencionado risco, o TJ/SP também destaca que “a
embalagem de ambos não é semelhante, enquanto a cor do comprimido em nada
influenciará nessa decisão, pois não é possível visualizar qualquer dos medicamentos sem
antes abrir a embalagem, o que só é possível após a compra” (fl. 596, e-STJ).
Portanto, o acórdão recorrido não afastou apenas as consequências do
comportamento supostamente nocivo das recorridas; foi além, descaracterizando a
própria ilegalidade da conduta, concluindo pela inexistência de elementos violadores do
Não bastasse isso, o TJ/SP também destaca que “a análise das demais
questões se mostra prematura neste momento processual e depende de dilação probatória
sem que se possa prescindir do princípio do contraditório” (fl. 596, e-STJ).
Realmente, não se pode descuidar do fato de que estamos diante de decisão
antecipatória dos efeitos da tutela, concedida em sede de cognição sumária, a exigir
demonstração cabal da verossimilhança das alegações que motivam o pedido.
Considero relevante, nesse ponto, trazer a lume as considerações que teci
no julgamento do REsp 1.284.971/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de
04.02.2013, em que se discutiu justamente a existência de concorrência desleal no
desenvolvimento e comercialização de um produto a partir de características distintivas
Naquela ocasião, salientei que a resolução de controvérsias dessa natureza
não se resume à definição de questões puramente de direito. Conforme ponderei, “ainda
que existam aspectos legais a serem considerados e aplicados, a definição do potencial
ofensivo da embalagem das recorridas exige, antes de mais nada, uma análise técnica de
propaganda e marketing tendente a estabelecer se o produto gera ou não confusão para o
Não se nega que o Juiz deve decidir com base em seu livre convencimento,
mas sua manifestação deve ser racional e motivada, nos termos do art. 131 do CPC, o que
somente será possível se ele dispuser de elementos suficientes para tanto, o que, em se
tratando de questão eminentemente técnica, via de regra demanda subsídios derivados de
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Na realidade, o critério central para se averiguar a necessidade de produção
da prova pericial deriva da interpretação conjugada dos arts. 145 e 335 do CPC, os quais
estabelecem, respectivamente, que o Juiz: (i) deve ser assistido por perito quando a prova
depender de conhecimento técnico ou científico; e (ii) pode valer-se de regras de
experiência comum e também de eventual experiência técnica acessível a quem não é
especializado em assuntos alheios ao direito, ressalvando os casos em que é de rigor a
Ao analisar essa sistemática probatória, Cândido Rangel Dinamarco bem
observa que ao Juiz é facultado presumir com fundamento na experiência comum, bem
como extrair conclusões fundadas em experiência técnica, mas ressalva que, nesse último
caso, esse conhecimento não deve passar de “meras noções que o Juiz tenha e que, por
cultura geral, também os advogados das partes possam ter”. O autor acrescenta que,
“quando se passa ao campo dos princípios de uma ciência, conceitos avançados,
fórmulas, teorias, é indispensável a perícia ser feita por um profissional especializado”
(Instituições de direito processual civil, vol. III, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
No mesmo sentido é a lição de Fredie Didier Jr., para quem a prova pericial
se mostra adequada quando “a demonstração dos fatos implicar exames técnicos e
científicos, que dependam de conhecimentos que estejam fora do alcance do
homem-comum, do homem médio” (Curso de direito processual civil, vol. II, 4ª ed.
Salvador: Jus Podium, 2009, p. 240).
Em síntese, a prova pericial atua no campo dos fatos a cujo conhecimento
seguro somente é possível mediante análise fundada em premissas técnico-científicas.
Retomando a hipótese dos autos, fica evidente ter o TJ/SP concluído que
não poderia, nos estreitos limites de cognição do pedido de antecipação de tutela e sem a
manifestação de um perito de confiança do juízo, aferir a plausibilidade das assertivas
contidas na inicial, notadamente se a alegada similitude entre os medicamentos é
aceitável do ponto de vista legal, como consectário de técnicas mercadológicas tendentes
ao posicionamento de um determinado produto no mercado, ou se na realidade estamos
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diante de um ato abusivo, usurpador de marca alheia e caracterizador de concorrência
A verdade é que até o presente momento – ou pelo menos até o julgamento
do agravo de instrumento – a lide foi apreciada exclusivamente com base na visão
pessoal dos julgadores que, não obstante deva ser levada em consideração – até pela
condição de consumidor de cada Juiz e, sobretudo, pelo juízo sumário próprio das
antecipações de tutela – não contém uma análise da questão a partir de critérios
científico-mercadológicos, que somente um especialista na área poderá realizar.
E, como frisou o TJ/SP, dentro da limitada análise que era possível fazer até
o momento, as alegações das recorrentes eram de “duvidosa verossimilhança”, além de se
ter destacado a “irreversibilidade da medida” (fl. 596, e-STJ).
Em síntese, no estágio em que o processo se encontrava, as alegações das
recorrentes, confrontadas exclusivamente pela experiência individual dos componentes
da Câmara julgadora, não se mostraram aptas à demonstração de sua verossimilhança.
Somente com o desenvolvimento da fase instrutória, após a apresentação de
estudos especializados, realizados por profissionais da área, é que será possível afirmar
se a conduta das recorridas é ou não admissível no meio publicitário, bem como se há
bases concretas para se presumir a confusão dos produtos, aí considerada a totalidade dos
consumidores (ou pelo menos uma amostragem confiável e segura, apta a revelar o
comportamento médio dos consumidores) e não só a experiência individual de cada
Para além disso, o acolhimento das teses das recorrentes exigiria o
revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
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