Informativo Técnico N° 06/Ano 02 – junho de 2011
CARNE BOVINA: MITOS E VERDADES INTRODUÇÃO Atualmente há uma contínua preocupação por parte da população quanto ao consumo de gorduras, notadamente as de origem animal. No entanto, parte desta preocupação decorre de informações nem sempre corretas passadas pela mídia e por alguns profissionais da área da saúde que relacionam o consumo de carne vermelha com o aumento de doenças cardiovasculares. Além de melhores e mais fundamentadas informações sobre dietas alimentares, deve-se considerar outros fatores que contribuem para o desenvolvimento dessas doenças (FREITAS, 2006). Quanto à carne bovina especificamente, mais recentemente diversos trabalhos ou revisões (WOOD et al., 2003; MacRac et al., 2005; NUERNBERG et al., 2005) têm mostrado as benesses de produtos cárneos e lácteos produzidos pelos ruminantes a pasto. O Brasil, pelo seu potencial forrageiro tropical, e o Estado do Rio Grande do Sul, com campos naturais de grande diversidade florística, podem ser destacados com relação à criação de bovinos a pasto. Através deste texto objetivou-se abordar as propriedades da carne bovina, relatando um breve histórico sobre o consumo de carne e as doenças da atualidade, bem como informar as propriedades nutricionais da carne de bovinos comercializados no Rio Grande do Sul. Além dos teores de colesterol, lipídios e o perfil de ácidos graxos da carne bovina e, os fatores determinantes para a produção de carne de melhor qualidade em termos de saúde humana, com respaldo na literatura pertinente ao assunto. SAÚDE HUMANA E A CARNE BOVINA A partir do século XX, principalmente em função da mudança nos hábitos alimentares e do estilo de vida da população, a incidência de doenças cardiovasculares passou a assumir maior importância por ser a principal causa de mortalidade nas sociedades desenvolvidas. Este fato foi atribuído ao elevado consumo de gorduras, em especial as de origem animal, por aumentarem os níveis de colesterol sanguíneo. VALLE (2000), em documento sobre o consumo de carne bovina, destaca alguns fatores de risco ditos como “não-controláveis” e outros “controláveis”. Os primeiros são a idade e o histórico familiar (genética) e os últimos são caracterizados pela inatividade física, fumo, obesidade, diabete, pressão alta, altos níveis de colesterol total e LDL-colesterol (lipoproteínas de baixa densidade) e baixos níveis de HDL-colesterol (lipoproteínas de alta densidade). Estes são aspectos extremamente relacionados com a ocorrência das doenças cardiovasculares que devem ser ressaltados, por contribuírem de maneira significativa para o aumento dos níveis de colesterol no sangue. Portanto, observa-se
que a ingestão de gorduras de origem animal não deve ser considerada isoladamente,pois a associação de um ou mais desses fatores pode ser muito prejudicial à saúdehumana. Também é importante salientar que o consumo inadequado de gorduras deorigem animal ou vegetal representa um fator de risco importante no desenvolvimentodessas doenças. E, finalmente, análises precipitadas e sem fundamento científicopolemizaram, restringiram e condenaram a carne bovina no cardápio da população. Mas o começo das maiores confusões intelectuais sobre saúde do homem do século XXocorreu quando os cientistas descobriram a existência de um colesterol “bom” e outro“mau” e que as gorduras deveriam ser divididas em “boas” (insaturadas, derivadas dosvegetais e peixes) ou “más” (saturadas, como carne vermelha e derivados de leite). Esses trabalhos tiveram enorme impacto e a crença nas conclusões citadas sedisseminou. Os ingredientes básicos estavam reunidos para começar uma das maioresconfusões intelectuais sobre a saúde do homem do século XX, pois a liderança mundialda ciência americana já era incontestável nesta época, portanto, a carne vermelha, oslaticínios e a gema de ovo foram execrados e a indústria dos alimentos de baixos teoresde gordura animal floresceu. Ao analisarem as informações científicas que serviram de base para as drásticasmudanças no tipo de alimentação, a surpresa é que elas não permitem tirar asconclusões previamente pregadas. Dados obtidos pelo grupo de Harvard foramconfirmados em dois outros estudos: o Health Professionals Follow-up Study e o Nurses´Health Study II. Os três estudos juntos envolveram 300 mil pessoas seguidas por maisde dez anos. As conclusões foram as mesmas: - Dietas ricas em gorduras monoinsaturadas (como o óleo de oliva) reduzem o risco dedoença cardíaca;- Dietas ricas em gorduras saturadas (como a carne vermelha) aumentam muito pouco orisco de doença coronariana, quando comparadas com dietas ricas em carboidratos,como pão, macarrão e doces. As gorduras presentes na margarina são bem menossaudáveis do que as contidas na manteiga. Apesar do altíssimo gasto, nenhuma agência de saúde do governo inglês deupublicidade aos resultados finais, muito menos sugeriu que a orientação geral de cortara gordura animal devesse ser revista. O médico Dr. Varella relata ainda que reduzir osníveis de colesterol pela dieta alimentar resulta diminuição no máximo de 10 a 20% nastaxas do mesmo. As recomendações de colesterol sanguíneo são para valores abaixo de200 mg, mostrando ser a nossa capacidade de interferir na concentração de gordura nosangue extremamente limitada pelos fatores genéticos. As gorduras consideradas vilãs, na verdade são de vital importância para ofuncionamento do organismo. Elas fornecem energia, ajudam a formar membranas dascélulas, isolam e protegem os órgãos vitais, facilitam o transporte e absorção dasvitaminas A, D, E, K e mantêm a temperatura corpórea. O tipo de gordura mais perigosaseria a gordura trans que é obtida quando óleos vegetais são submetidos à hidrogenação(processo industrial cujo objetivo é torná-las sólidas a temperatura ambiente e commenor possibilidade de ranço). Esse tipo de gordura aumenta os níveis de LDL etriglicerídeos e reduz os níveis de HDL inibindo a ação de enzimas específicas dofígado que favorecem a síntese de colesterol. A gordura Trans está presenteprincipalmente nas margarinas, mas sorvetes, bolos, molhos, biscoitos e sopasindustrializadas contêm essa substância. PROPRIEDADES DA CARNE BOVINA A carne bovina é componente de dieta saudável. Ela é especialmente rica em: - Proteínas: isoleucina, lisina, leucina, triptofano, treonina, metionina, fenilanina, valina, histidina - Vitaminas do complexo B: niacina, tiamina, riboflavina, ácido pantotênico - Minerais: Fe, heme , Zn, K, P, Mg - Ácido Linoléico Conjugado (CLA) - Relação ômega6:ômega3 (ω6: ω3) GORDURA E MARMOREIO DA CARNE Em estudo realizado na Austrália por PERRY (2005), onde se observou a importância do regime alimentar na terminação de bovinos, a pasto ou a base de grãos (confinamento). A gordura intramuscular foi maior quando os animais foram alimentados com grãos quando comparadas às carcaças produzidas em pastagem. Para cada 10 kg a mais de peso de carcaça, houve um incremento de 0,31% de gordura intramuscular em animais confinados, contra 0,19% em animais a pasto (Figura 1).
FIGURA 1 – Bovinos terminados em regime de confinamento (fotos acima) eterminados a pasto (fotos abaixo). Fonte: PERRY (2005).
NUERNBERG et al. (2005) avaliaram o efeito de sistemas de alimentação baseados empastagem ou com concentrado nas características de qualidade da carne e composiçãode ácidos graxos no músculo Longissimus e discutiram que há uma modificação naprodução de carne em sistemas substituindo ingredientes concentrados com alta energiapor forragem de baixa concentração energética, resultando em reduzido conteúdo degordura intramuscular. Os resultados deste estudo também apresentaram que tem sido
positivo o efeito da alimentação a pasto na composição de ácidos graxos na carne assimproduzida, apresentando maiores valores de ω3 e CLA, caracterizando a carne deanimais a pasto como um produto mais saudável. Além disso, em matéria publicada na revista Science, Gary Taubes relaciona seisestudos publicados na década de 80 em Honolulu, Chigaco, Framingham e em PortoRico que comparam o tipo de dieta em humanos com a incidência de doençacoronariana e, nenhum deles demonstrou que dietas de baixo conteúdo de gorduraanimal reduzissem o número de ataques cardíacos e aumentassem a longevidade. ÁCIDOS GRAXOS NA CARNE BOVINA
Quanto aos tipos de ácidos graxos, estes podem ser classificados em saturados (ácidos graxos sem dupla ligação em suas cadeias) e insaturados (ácidos graxos com uma ou mais ligações duplas em suas cadeias), sendo estes divididos em: monoinsaturados (com uma insaturação ou dupla ligação) e, diinsaturados e poliinsaturados (com duas ou mais insaturações). Os ácidos graxos com mais de uma ligação se subdividem em ômega6 (ω6) e ômega3 (ω3), e são considerados essenciais devido a incapacidade do organismo de sintetizá-los, motivo pelo qual devem ser incorporados na dieta. Além destes, o ácido linoléico conjugado (CLA), encontrado apenas em produtos de ruminantes, tem se mostrado
hipocolesterolêmico, imunoestimulatório, atuando no aumento de massa muscular,reduzindo a gordura corporal e prevenindo diabetes. Na carne, são identificados inúmeros ácidos graxos que compõem a fração gordurosados tecidos de bovinos, mas praticamente seis deles são os mais representativos ecorrespondem a cerca de 90% do total. São estes o ácido graxo mirístico (C14:0),palmítico (C16:0), esteárico (C18:0), palmitoléico (C16:1 ω7), oléico (C18:1 ω9) elinoléico (C18:2 ω6).
Nem todos os ácidos graxos saturados são considerados hipercolesterolêmicos (queaumentam os níveis do colesterol ruim – LDL). O ácido graxo mais indesejável seria oácido mirístico (C14:0), o qual no estudo de FREITAS (2006) representou apenas 3%do total dos ácidos graxos na carne. O ácido palmítico (C16:0) foi citado como o demenor efeito hipercolesterolêmico e o ácido esteárico (C18:0), com 43% do total dosácidos graxos saturados na carne (FREITAS, 2006), teria efeito nulo, pois setransforma em ácido oléico (C18:1) no organismo (SINCLAIR, 1993), nãoinfluenciando os níveis sanguíneos de colesterol. O ácido esteárico (ou ácidooctadecanóico) é um ácido graxo de cadeia longa, classificado como ácido graxosaturado. Entretanto, o comportamento do ácido esteárico é especialmente único nosefeitos sobre os níveis de colesterol do sangue, pois estudos sugerem ter sua ingestãoefeito neutro ou até de redução dos níveis de colesterol (MONSMA & NEY, 1993). Portanto, não faz sentido considerar o somatório desses três ácidos graxos saturadoscomo normalmente se faz para fins de limitação da carne bovina na dieta (MEDEIROS,2003).
Quanto aos ácidos graxos monoinsaturados, maiores valores de oléico na forma cis sãodesejáveis por ter ação hipocolesterolêmica, com a vantagem de não reduzir o colesterol
HDL (colesterol bom), atuando na proteção contra doenças coronarianas. Este ácidograxo é o mesmo dito como “bom para a saúde”. De todos ácidos graxos, FREITAS(2006) observou ser o ácido oléico (C18:1 ω9) o de maior concentração na carne dosnovilhos, representando em torno de 88% dos ácidos graxos monoinsaturados. Ainda no artigo do médico Dr. Drauzio Varella, é abordado uma interessantíssimaanálise da composição de uma chuleta grelhada, realizada por Gary Taubes, com baseem dados encontrados no site do Departamento de Agricultura Americano, na seçãoNutrient Database for Standard Reference. Seria a chuleta grelhada uma arma mortal (Figura 2)? Depois de grelhada, a chuleta é composta por porções iguais de gordura e proteína,onde:• 51% da gordura é monoinsaturada, da qual virtualmente tudo é o saudável ácido oléico(o mesmo do óleo de oliva); • 45% é gordura saturada (pouco saudável), mas um terço dela é ácido esteárico,componente no mínimo inofensivo; • 4% do total é gordura poliinsaturada, também melhora os níveis de colesterol.
A análise de Taubes é a seguinte: “Bem mais do que metade, talvez 70% do conteúdoextraído contribuirá para melhorar os níveis de colesterol. Os 30% restantes provocarãoaumento do LDL (colesterol “mau”), mas também aumentarão o “bom” colesterol(HDL). Se em lugar da chuleta a pessoa ingerisse pão, macarrão ou batata, seus níveisde colesterol ficariam piores, embora nenhuma autoridade de nutrição tenha coragem dedizer isso publicamente”.
Os ácidos graxos poliinsaturados mais representativos na carne bovina são os ácidoslinoléico (C18:2 ω6) e araquidônico (C20:4 ω6) (LAGE, 2004). O ácido linoléicoconjugado (CLA) é um ácido graxo encontrado apenas em produtos de origem animal(carne e laticínios) e não pode ser produzido pelo organismo humano. Os estudos com oCLA foram estimulados quando descobriram suas propriedades na luta contra o câncerno final da década de 80 (HA et al., 1987). Atualmente é reconhecido como o únicoácido graxo anticancerígeno e anticarcinogênico.
COLESTEROL
Pesquisa feita pelo CEPEA (ESALQ-USP) identificou o teor de colesterol como o principal motivo dos consumidores evitarem o consumo de carne bovina. Talvez um dos
motivos seja a divulgação de que as doenças cardiovasculares estejam relacionadas comos altos níveis de colesterol no sangue. Mas dificilmente substituímos o bife da dieta por verduras, normalmente a carnecostuma ser trocada por carboidratos. Dietas com baixo teor de proteína animal quasesempre são fartas em pão, macarrão e doces. Na digestão de carboidratos, o pâncreas ésolicitado a produzir insulina para quebrá-los em açúcares mais simples que vão serestocados no organismo. Essa estimulação do pâncreas por dietas ricas em carboidratosse for exagerada, pode aumentar o risco de diabetes, aumento de triglicerídeos e de LDL(o “mau” colesterol), esta tríade de eventos bioquímicos é conhecida como resistência àinsulina e está intimamente ligada ao aumento do risco de doença coronariana. De acordo com MEDEIROS (2003), a recomendação do “American Heart Association”para ingestão máxima de colesterol por dia é de 300 mg. Isso significa ser o consumo de200 g de Longissimus dorsi aproximadamente, apenas 1/3 da quantidade máximarecomendada. CARNE BOVINA X MEIO AMBIENTE
Durante uma reunião com oficiais do English Beef and Lamb Executive (EBLEX) emBruxelas no ano de 2010 uma comissão européia afirmou que cortar o consumo decarnes vermelhas não conteria emissões de gases do efeito estufa. Em uma pesquisapublicada pelo Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Européia no começo de 2010mostrou que as emissões dos animais domésticos são responsáveis, segundoestimativas, por cerca de 9% de todas as emissões da UE metade do volume divulgadoem relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)em 2006. Os cientistas da FAO admitiram que diferentes metodologias utilizadas noscálculos comparados com outros setores tornaram os dados discutíveis. Uma revisão dorelatório da FAO deverá ser divulgada recentemente. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, fica claro que as recomendações atuais para evitar gordura animal nas refeiçõessão, no mínimo, desprovidas de fundamento científico. Mais grave, podem induzir aparcela da população com acesso ilimitado aos alimentos a ingerir quantidades maioresde carboidratos, que podem ser responsáveis pelo aparecimento de diabetes naquelesgeneticamente predispostos, aumento de triglicerídeos e de LDL, redução de HDL. Oinfarto do miocárdio é, na verdade uma doença multifatorial, sua incidência dependeprincipalmente da herança genética e de vários fatores de risco (sexo, idade, tabagismo,hipertensão, obesidade, diabetes, vida sedentária, níveis de colesterol e triglicerídeos,além do estresse). Seria, portanto, ingenuidade imaginar que a simples eliminação ouredução de um único componente da dieta interferiria no risco de sofrer de umaenfermidade tão complexa. Cremos firmemente nas qualidades nutricionais e essenciais da carne bovina,especialmente a produzida a pasto. Neste aspecto, abre-se um espaço enorme para o RioGrande do Sul e para o Brasil por possuírem condições de suprir os consumidores comprodutos de altíssima qualidade nutricional. Sejamos todos defensores e propagandistas com fundamentos técnico científicos dacarne bovina e dos produtos de origem animal produzidos a pasto. Cabe a nós, comfundamentos técnicos científicos, fazer chegar aos núcleos de informação e formadoresde opinião, os benefícios de produtos animais produzidos a pasto.
* Médico Veterinário, MSc. SDI/DDA/DFDSA/SEAPA
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meat quality: a review. Meat Science, v. 66, p. 21–32, 2003. O Informativo Técnico do DPA veicula artigos dos técnicos científicos do DPA, tanto do nível central comoregional e IVZs. Pode ser de autoria própria ou compilado. O artigo deve vir acompanhado de bibliografia e deve ter tamanho máximo de 3.500 caracteres (sem espaços). Tabelas são consideradas como caracteres e vamos limitar a duas fotografias por artigo. Em casos de artigoscurtos, porém ricos em fotografias, será aceito um numero maior destas, sempre com legendas. Os artigos podem ser enviados eletronicamente para [email protected], onde um grupo de revisores do nível central fará a avaliação, edição e dará aformatação final. Os artigos serão veiculados conforme a ordem de chegada. O Informativo Técnico do DPA também pode ser lido e baixado no site da SEAPA
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