De olho na diferença - literal 1

DE OLHO NA DIFERENÇA
[publicado na Revista Literal 11 - "Sexualidade e(m) diferença" " - Escola de Psicanálise de Campinas - 2008 - pp.27- 35] Márcio Mariguela
Psicanalista e professor de filosofia na UNIMEP é bem possível que vocês não saibam muito bem aonde estamos. Eis porque o tempo me pareceu oportuno, e não de uma maneira contingente, para colocar a questão do meu título, por exemplo, de um Outro ao outro, sob o qual figura meu discurso deste ano (.) É preciso, ao menos, ter percorrido um pedaço do caminho para que, por retroação, a partida se esclareça, isso não somente para vocês, mas, afinal de contas, para mim mesmo. (Lacan , Lição XII (26/02/1969) do Seminário De um Outro ao outro, 2004, Desde que vi meu nome inscrito nessa mesa, para tratar desse tema, fui tomado por um significante que insistia em se fazer ressoar: (a) pagamento da diferença sexual. De fato, para que o Outro seja incluído há um pagamento que se impõe como da ordem da estrutura do ser falante e por isso mesmo faltante. Ao contrário, o apagamento da diferença enquanto recusa da castração tem como conseqüência ética a exclusão do Outro. Há uma Outra cena, um Outro que fala quando eu falo. De um Outro ao outro: a função do significante como diferença absoluta. Aqui estamos no campo, na seara daquilo que é o sexual – seguindo as Seus ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, publicado em 1905, sustentaram a ♣ Apresentado na Mesa: O apagamento da diferença sexual e a exclusão do Outro. Participantes: Cristina Helena Guimarães, Mauro Mendes Dias e Elisabete Monteiro (debatedor). sexualidade infantil como agente etiológico das neuroses de transferência. No segundo ensaio, afirmou que a pulsão de saber é composta de duas fontes motivadoras: a forma sublimada de dominação e a energia escopofílica. A psicanálise constatou "que, na
criança, a pulsão de saber é atraída, de maneira insuspeitadamente precose e inesperadamente intensa, pelos problemas sexuais, e talvez até despertada por eles" 1. Quais são os problemas sexuais que atrai a pulsão de saber? A pergunta pela origem (de onde vêm os bebês?) e questão da diferença sexual2. Freud acentuou que a pergunta sobre da diferença sexual é posterior a pergunta pela origem dos bebês, isto porque "o fato de existirem dois sexos é inicialmente aceito pela criança sem nenhuma rebeldia ou hesitação. Para o menino, é natural presumir uma genitália igual à sua em todas as pessoas que ele conhece, sendo impossível conjugar a falta dela com sua representação dessas outras pessoas (.) Já a garotinha não incorre em semelhantes recusas ao avistar os genitais do menino, com sua conformação diferente. Está pronta a reconhecê-lo de imediato e é tomada pela inveja do pênis, que culmina no desejo de ser também um menino, tão importante em suas conseqüências"3. O problema da diferença sexual apontado por Freud esta numa condição à posteriori do problema da origem. No
entanto, aqui somos catapultados no jogo ininterrupto entre o visível e o invisível. O menino olha e recusa o que viu; a menina olha e vê [está pronta a reconhecê-lo de imediato, disse O tema da inveja do pênis serviu a muitas controvérsias nas diferentes leituras sobre a sexualidade infantil desvelada por Freud. No artigo "Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos", publicado em 1925, encontramos referencias para compreender uma mudança significativa na abordagem sobre a posição da menina na castração Iniciou o artigo constando que em sua teoria da sexualidade infantil predominou fundamentalmente a posição do menino diante da recusa do que viu na menina. Esta posição não pôde mais ser sustentada depois do Para-Além do Princípio do Prazer de 1920. Tornava-se imperioso para Freud deslocar a temporalidade dos problemas sexuais apontados. A premissa permanece a mesma de 1905: "existe um contraste interessante entre o comportamento dois sexos quando olham o genital. Na situação análoga, quando um menino pela primeira vez chega a ver a região genital de uma menina, começa por demonstrar irresolução ou falta de interesse; não vê nada ou rejeita o que viu, abranda a 2 Ver os artigos “O esclarecimento sexual das crianças” (1907) e “Sobre as teorias sexuais das crianças” (1908), onde há argumentos importantes sobre o tema. In: ESB IX. expressão dele ou procura expediente para colocá-lo de acordo com suas expectativas"4. No que diz respeito à menina, Freud afirmou: "A menina se comporta diferentemente. Faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo (.) A esperança de algum dia obter um pênis, apesar de tudo, e assim tornar-se semelhante a um homem, pode persistir até a idade incrivelmente tardia e transformar-se em motivo para ações estranhas e de outra maneira inexplicáveis"5. Em 1960, o filósofo Maurice Merleau-Ponty publicou O olho e o espírito denunciando que a ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. “Esse pensamento operatório torna-se uma espécie de artificialismo absoluto, como se vê na ideologia cibernética, onde as criações humanas são derivadas de um processo natural de informação, porém concebido, por sua vez, segundo o modelo de máquinas humanas” (in: Os Pensadores, p.48). O autor vai mais longe e indicou com precisão o estado de efetivação histórica desse pensamento operatório colocado em prática pelo discurso da ciência. Nos Estados Unidos, afirmou Merleau-Ponty, pratica-se uma psicanálise e um culturalismo decadentes pois fazem do animal falante um manipulandum que ele pensa ser, “entra-se num regime de cultura onde já não há nem verdadeiro nem falso no tocante ao Homem e à História, num sono ou num pesadelo do qual nada poderia acordá-lo” (Idem, p.48). Recusando esse “pensamento de sobrevôo” que é a ciência, Merleau-Ponty buscou no ato criador do pintor uma nova perspectiva para resgatar a dramática condição humana para além do pensamento operatório e manipulador da ciência: “O pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas sem nenhum dever de apreciação (.) Ele aí está, forte ou fraco na vida, porém soberano incontestável na sua ruminação do mundo, sem outra ‘técnica’ a não ser a que seus olhos e suas mãos se dão, à força de ver, à força de pintar, obstinado em tirar, desse mundo onde soam os escândalos e as glórias da História, telas que quase nada acrescentarão às cóleras nem às esperanças dos homens, e ninguém murmura” (Idem, p.48). Esse retorno ao ato de criação do pintor é um modo de Merleau-Ponty enfrentar o grande enigma: meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível. “Ele, que olha todas as
coisas, também pode olhar a si e reconhecer no que está vendo então o ‘outro lado’ do seu poder vidente. Ele se vê vidente, toca-se tateante, é visível e sensível por si mesmo”. O grandioso gesto do filósofo foi saudado por Jacques Lacan em outubro de 1961. Convidado para prestar sua homenagem a Maurice Merleau-Ponty [por ocasião de seu falecimento] num número especial da revista Les Temps Modernes, Lacan destacou a relevância da obra Fenomenologia da Percepção [obra fundadora da Fenomenologia Existencial] e na distância que a separa do existencialismo de Jean-Paul Sartre. Lacan descreveu o desafio que obra de Merleau-Ponty deixava e na urgente tarefa de enfrentar o enigma anunciado em no livro O olho e o espírito. Iniciou seu texto [designado como um mais além de sua homenagem] interrogando os efeitos desse livro para demarcar o lugar de seu discurso de retorno a Freud. Constatou que “o olho, tomado aqui por centro de uma revisão do estatuto do espírito, comporta, no entanto todas as ressonâncias possíveis da tradição com que o pensamento continua comprometido” (Idem, p.184). No entanto, Merleau-Ponty não conseguiu dar o passo decisivo que lhe permitiria renunciar a teoria da percepção numa estrutura de realidade determinada pelas leis da Física, ou mesmo da anatômo-fisiologia. O enigma apontado pelo filósofo só pode ser enfrentado, segundo Lacan, pelo pressuposto fundamental que define a função do falo como significante do desejo e a primazia do significante no efeito de significar. Isso porque, “a função de significante do órgão sempre apontado como tal por seu ocultamento no simulacro humano – e a incidência que resulta do falo nessa função, no acesso ao desejo tanto da mulher quanto do homem, apesar de estar agora vulgarizada, não pode ser desprezada como desviando o que bem podemos chamar, com efeito, de o ser sexuado do corpo” (in: Outros Escritos, p.188). Esse passo de Lacan pode ser rastreado naquilo que constitui os marcos fundadores de seu ensino. Vamos tomar como ponto de partida a Aula de 07/05/1958 do Seminário 5 – As Formações do Inconsciente. Comentando uma comunicação realizada na Sociedade Francesa de Psicanálise na noite anterior, Lacan disse que ali se falou da relação heterossexual como um dado primário da tensão evolutiva entre os pais e a criança. Seu ponto de partida é justamente interrogar a relação heterossexual pela função do falo como significante do desejo. Valendo-se do relato de campo dos etnógrafos, Lacan estabeleceu a seguinte premissa que funciona como princípio das relações entre os sexos: que ao menos uma coisa fique escondida, a ereção do falo. É impressionante, comentou Lacan, constatar a existência, mesmo nas tribos que só possuem o mais primitivo modo de trajar, de uma coisa que serve precisamente para esconder o falo – o estojo peniano, por exemplo, como estrito resíduo que resta da roupa”. (p.384). Essa constatação etnográfica permitiu a Lacan apresentar a seguinte fórmula: “o falo não é uma fantasia, nem uma imagem, nem um objeto, mesmo que parcial, mesmo que interno, mas é um significante”. A importância dessa formula [ou enunciado, como preferia Lacan] pode ser acompanhada na conferência proferida [dois dias depois da aula citada] no Instituto Max Planck de Munique, intitulada: “A significação do falo”. Interrogando o que esta em jogo no complexo de castração no inconsciente masculino e do Penisneid [inveja do pênis] no inconsciente feminino, Lacan destacou o que Freud especifica com o termo fase fálica. Apontou os equívocos dos pós-freudianos em considerar o falo como objeto e suas indecências na constituição do sintoma. A oposição significante e significado foi reconhecida por Lacan como ponto de partida de seu retorno a Freud. Desse modo, tratava-se de restituir a descoberta de Freud ao seu devido valor de corte, de descontinuidade no discurso psiquiátrico e psicológico de sua época. “O significante tem função ativa na determinação dos efeitos em que o significável aparece como sofrendo sua marca, tornando-se, através dessa paixão, significado. Essa paixão do significante, por conseguinte, torna-se uma nova dimensão da condição humana, na medida em que não somente o homem fala, mas em que, no homem e através do homem, isso fala, em que sua natureza torna-se tecida por efeitos onde se encontra
a estrutura da linguagem em cuja matéria ele se transforma, e em que por isso ressoa nele, para-além de tudo o que a psicologia das idéias pôde conceber, a relação da palavra” (in: Afastando-se de uma perspectiva culturalista onde a questão está centrada na relação dos humanos com a linguagem como fenômeno social, Lacan afirmou que “Isso fala no
Outro”, designando por Outro o próprio lugar evocado pelo recurso à palavra. “Se isso fala
no Outro, quer o sujeito o ouça ou não com seu ouvido, é porque é ali que o sujeito, por sua anterioridade lógica a qualquer despertar do significado, encontra seu lugar significante” (Idem, p.696). Aqui novamente Lacan retomou a linha de sua elaboração apresentada na aula anterior de seu Seminário sobre as formações do inconsciente. Estabelecendo o falo como função significante, ele pode estabelecer que na doutrina freudiana, o falo não é uma fantasia, nem um objeto e menos ainda ele simboliza o órgão, pênis ou clitóris. O falo é um significante “destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de significante” (Idem, p.697). Se o falo é o significante do desejo, como nos ensinou Lacan, é tão somente porque o desejo “não é nem o apetite de satisfação, nem a demanda de amor, mas a diferença que resulta da substração do primeiro à segunda, o próprio fenômeno de sua fenda (Spaltung). A diferença sexual é resultante da caus [a] ção de desejo. É nesse lugar de fenda que a relação
sexual lançará sua sorte, como disse Lacan. É nessa hiância que o sujeito ocupa seu lugar e “tanto para o sujeito quanto para o Outro, no que tange a cada um dos parceiros da relação, não basta serem sujeitos da necessidade ou objetos do amor, mas têm que ocupar o lugar de causa do desejo” (Idem, p.699). O falo é o significante que marca a diferença sexual por sua condição de suspensão que inaugura seu próprio desaparecimento. O falo só pode ocupar essa função significante por “desempenhar seu papel enquanto velado, isto é, como signo, ele mesmo, da latência com que é cunhado tudo o que é significável, a partir do momento em que é alçado à função de significante” (Idem, p.699). Ainda, o falo é o significante privilegiado que marca a Spaltung [fenda] que dá a razão do desejo. Razão aqui entendida como um algoritmo: A função significante do falo impõe uma exigência ética radical: é sempre no lugar do Outro que o sujeito tem acesso a ele [falo]. “Mas, como esse significante só se encontra aí velado e como razão do desejo do Outro, é esse desejo do Outro como tal que se impõe ao sujeito reconhecer, isto é, o outro enquanto ele mesmo é um sujeito dividido pela Spaltung significante” (Idem, p.700). A exigência ética derivada desse algoritmo tem implicações decisivas na clínica da psicanálise, pois entrelaça, segundo Lacan, aquilo que os antigos denominavam de Noûs [Espírito] e Voltando aos comentários de Lacan sobre a obra de Merleau-Ponty, encontramos, em especial, uma referência explicita ao livro póstumo O Visível e o Invisível no qual Lacan ancorou seu algoritmo da função significante do falo na constituição da diferença sexual. O que levou Lacan afirmar que o olho é feito para não ver? Na aula de 19/01/1964 do Seminário 11 – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan retomou o percurso de sua elaboração sobre a função da repetição para enfatizar a esquize do olho e do olhar no encontro faltoso do real. Com o propósito de fundar a repetição na esquize que se produz no sujeito com respeito ao encontro com o real, Lacan comentou a publicação do livro O Visível e o Invisível [“do nosso amigo Merleau-Ponty”]: a preexistência de um olhar que dá um empuxo daquele que vê. “O olhar só se nos apresenta na forma de uma estranha contingência, simbólica do que encontramos no horizonte e como ponto de chegada de nossa experiência, isto é, a falta constitutiva da angústia da castração” (Seminário 11, p.74). Desse modo é na esquize [separação, divisão, fenda, corte] entre o olho e o olhar que se manifesta a pulsão no nível do campo escópico. É nesse nível de espacialização onde o descontínuo produz traços e inscrições que o sujeito é causado pelo desejo em sua função significante. Na medida em que o olhar, enquanto objeto a, pode vir a simbolizar a falta central expressa no fenômeno da castração, a função significante do falo é marcada pela inclusão do Outro como lugar

Source: http://marciomariguela.com.br/images/revista/de_olho_na_diferenca_literal_11.pdf

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